Com missa e resgate histórico, Memorial dos Britos é inaugurado pela Prefeitura
Uma missa celebrada neste domingo (2) pelo bispo diocesano Dom Luiz Carlos Dias no Cemitério dos Britos marcou a inauguração do Memorial dos Britos, em uma realização da Prefeitura de Araraquara por meio da Secretaria de Cultura e da Secretaria de Obras e Serviços Públicos. O memorial conta a história de Rosendo de Souza Brito e seu tio Manuel Joaquim de Souza Brito, personagens importantes da história de Araraquara e que dão nome ao cemitério. A cerimônia também marcou a entrega das obras da ala religiosa do local, que envolvem a reforma da Capela São Manoel, a reforma da Sala de Ex-votos e a construção do espaço ecumênico.
O prefeito Edinho falou sobre a relevância histórica do cemitério para a cidade. “Os Britos são personagens importantes da história de Araraquara. Além de ser um cemitério importante para a nossa cidade, traz uma carga histórica imensa. Eu sempre digo: quem não sabe de onde veio não sabe pra onde vai. O Rosendo Brito foi um jovem sergipano que teve sua vida ceifada de uma forma brutal. E seu tio, Manuel, também, apenas por ser o tio e ter o mesmo sobrenome. O Dom Luiz, na homilia, usou uma frase que tem que ser memorizada: o justiceiro nunca faz justiça. Quando alguém quer fazer justiça com as próprias mãos, só aprofunda a injustiça. E os Britos foram vítimas de uma tentativa dos coronéis de fazer justiça com as próprias mãos em Araraquara. É uma injustiça histórica que aconteceu. Claro que esse memorial não fará justiça histórica, porque a justiça é uma construção coletiva ao longo do tempo. Mas esse memorial vai fazer com que Araraquara não se esqueça dos Britos. E cada pessoa que visitar esse memorial vai saber que, um dia, essa cidade cometeu uma grande injustiça. E não significa apagar da memória da cidade a injustiça que aconteceu. Que nossa cidade reconheça os seus erros e que, olhando os seus erros, seja uma cidade que lute pela justiça todos os dias, não apagando a injustiça, mas sim construindo a justiça”, explicou.
Dom Luiz Carlos Dias falou que a inauguração do memorial caracteriza Araraquara como uma cidade preocupada com a justiça. “Para mim, que estou chegando há pouco tempo, um evento como este me permite conhecer um pouco dessa alma de Araraquara, porque vejo aqui muitos sinais de um povo que preza muito pela justiça. Ouço muitos relatos e vejo que existe essa preocupação com a justiça, com uma justiça que traga de fato um desenvolvimento integral, que contempla todas as dimensões da pessoa. Existe aqui a preocupação com a integração das pessoas, o que vai contra o caminho de exclusão que vemos muitas vezes no nosso Brasil. Esse fato, de maneira especial, foi importante para o desenvolvimento e para a consciência coletiva do cidadão de Araraquara. Por isso, trata-se de um acontecimento que de fato precisa ser refletido e precisa de ter um local próprio e concreto para que sua memória permaneça e gere reflexão constante para todas as gerações”, opinou.
O presidente da Câmara Municipal de Araraquara, Paulo Landim (PT), falou sobre a simbologia do local. “O Memorial dos Britos é uma janela para um período importante da nossa cidade. Aqui teremos a oportunidade de conhecer a verdadeira história dos Britos, livre de desvios ou tendências, e compreender as circunstâncias dos acontecimentos. Esse é um espaço onde a memória e a fé se entrelaçam, refletindo a devoção de muitos que ao longo dos anos depositaram a sua fé nos Britos e receberam graças que agora são lembranças na Sala dos Ex-votos. Hoje, ao entregarmos as obras da ala religiosa, estamos não só preservando, mas revitalizando a fé e a história da nossa cidade”, apontou.
O jornalista e escritor José Carlos Magdalena, autor do livro “Um século de silêncio”, destacou que sua obra literária apresenta uma narrativa mais humana da história, revelou detalhes pouco conhecidos do caso e enfatizou a necessidade de manter viva a memória dos homenageados. “Neste ano, completam-se 127 anos do linchamento físico dos Britos, mas nesses 127 anos houve também um linchamento moral. Fizeram tudo o que foi possível para apagar da memória aqueles que foram vítimas e também para transformá-los em algozes. Durante muito tempo, esse assunto era um tabu em Araraquara. Hoje o Edinho inaugura este memorial e, pela primeira vez em 127 anos, vejo alguém fazendo alguma coisa para não deixar essa história morrer. Por isso, eu cumprimento o prefeito Edinho por essa iniciativa”, salientou. Também marcaram presença na solenidade a deputada estadual Márcia Lia (PT); o vereador João Clemente (Progressistas); a secretária de Saúde, Eliana Honain; a secretária de Cultura, Teresa Telarolli; a secretária de Obras e Serviços Públicos, Renata Bratfisch; a secretária de Desenvolvimento Urbano, Sálua Kairuz Poleto; o secretário de Governo, Donizete Simioni; a secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Jacqueline Barbosa; a secretária de Comunicação, Priscila Luiz; o secretário de Cooperação dos Assuntos de Segurança Pública, Alexandre Pomponi; o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade, José Carlos Porsani; o chefe de Gabinete, Renato Ribeiro; a coordenadora executiva de Participação Popular, Nathalia Mauricio Rigolin, que representou a Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular; a presidente do Fundo Social de Solidariedade, Cidinha Silva; a diretora executiva da Fungota, Lúcia Ortiz; Fernando Passos, presidente da Academia Araraquarense de Letras, que representou a Uniara; e representantes da empresa JSO, responsável pela obra.
As obras
O Memorial dos Britos é um espaço onde a história emblemática pode ser revista por meio de placas informativas. São oito placas que ficam em um espaço que forma um caminho ao lado da Sala de Ex-votos. As placas contam o contexto da história dos Britos, além das biografias de Rosendo de Souza Brito e seu tio Manuel Joaquim de Souza Brito, em texto assinado pela secretária municipal da Cultura, Teresa Telarolli.
Vale destacar que a Sala de Ex-votos, inaugurada em 1953, foi construída para abrigar os objetos trazidos pelos devotos dos Britos em agradecimento às graças alcançadas. A obra da sala foi doada por Oscar Tirolla e família. Já a Capela São Manoel, um “lugar sagrado” já que está construída sobre os túmulos de Rosendo e Manuel de Brito, teve a sua missa de inauguração realizada em 22 de junho de 1952, há quase 72 anos. A capela foi construída por Raphael Narvais Penha entre os anos de 1945 e 1952.
Com o investimento de R$ 1.918.767,58, o local passou por reforma geral das edificações do cemitério com construção de velório, instalação de esquadrias de alumínio e de ferro, instalação de sistemas hidráulico e elétrico, instalação de pisos e revestimentos, revisão e instalação de cobertura e plantio de vegetação. Lembrando que ainda há obras em andamento com a construção do velório e dos blocos administrativo e de serviços.
O cemitério
O Cemitério dos Britos conta com 6.390 sepulturas distribuídas em áreas de concessão e públicas e foi, em 2021, que recebeu oficialmente este nome, por conta de um projeto de lei de autoria do vereador Edson Hel (PV), pois antes era denominado Cemitério das Cruzes. O cemitério surgiu durante o surto de febre amarela que ocorreu em Araraquara em meados de 1895, mas ficou popularmente conhecido a partir de 1897, quando se tornou o destino final de Rosendo de Souza Brito e seu tio Manuel Joaquim de Souza Brito, que naquele ano foram brutalmente assassinados em praça pública.
A partir das histórias de graças alcançadas por meio dos Britos, eles foram alçados à condição de milagreiros. No Dia de Finados, anualmente, o Cemitério dos Britos passou a receber milhares de fiéis em romaria, além daqueles que vinham pagar promessas, preenchendo a Sala dos Milagres com ex-votos, cartas, velas e flores regados de fervor e gratidão. Foi assim que o povo mais sofrido eternizou a memória de Rosendo e Manuel, fazendo prevalecer a cultura da paz e da solidariedade diante do horrendo assassinato.
O Cemitério dos Britos está localizado na Av. Antônio Honório Real, 412, no Vale do Sol.